
Por que os pais de crianças deveriam trocar o celular por um instrumento musical.
Seção 1: Introdução: A Essência da Música.
A música, em sua essência, é um fenômeno humano universal, uma corrente sonora que perpassa culturas e épocas, tecendo-se na própria estrutura da experiência humana. Desde os cânticos ritualísticos de sociedades ancestrais até as complexas sinfonias e os géneros populares contemporâneos, a música manifesta-se como uma força omnipresente. Este artigo propõe-se a desvendar as múltiplas facetas desta arte, explorando não apenas as suas definições artísticas e culturais, mas também as suas profundas e muitas vezes surpreendentes conexões com o rigor da ciência. Uma ideia comum é a de que arte e ciência são domínios separados, quando, na verdade, estão notavelmente interligados, e a música surge como um exemplo paradigmático desta sinergia.1
Ao mergulhar na física das ondas sonoras, na matemática das harmonias, nos meandros da neurociência e nos contornos da psicologia, procuraremos compreender como a música molda o nosso cérebro, influencia as nossas emoções e, crucialmente, como pode servir de ferramenta poderosa para o desenvolvimento humano, especialmente durante a infância. Esta exploração culminará numa reflexão sobre o papel da música na era digital, ponderando o seu valor formativo em contraste com os desafios impostos pelo uso excessivo de tecnologias como os telemóveis para crianças. A jornada que se segue visa oferecer uma compreensão mais profunda e abrangente do poder intrínseco da música.
Seção 2: O Que É Música? Uma Exploração Artística, Cultural e Antropológica
Definir música é uma tarefa complexa, pois a sua natureza transcende uma simples categorização. É uma linguagem, uma forma de expressão, um fenômeno social e uma experiência profundamente pessoal, tudo ao mesmo tempo. Para apreender a sua riqueza, é necessário explorá-la sob diversas perspectivas.
Do ponto de vista artístico, a música é frequentemente entendida como uma organização intencional de sons no decorrer de um limitado espaço de tempo.2 Esta organização envolve a manipulação de elementos fundamentais como melodia, harmonia, ritmo e timbre, que são combinados para criar formas expressivas capazes de evocar emoções, contar histórias ou simplesmente deleitar os sentidos. A sua ligação com outras formas de arte é intrínseca; por exemplo, na dança, a música frequentemente fornece a estrutura auditiva e o ímpeto emocional que guiam e inspiram o movimento.2
Sob uma perspectiva cultural, a música revela-se como uma poderosa forma de comunicação, detentora de códigos, símbolos e significados próprios que são compreendidos e partilhados dentro de contextos culturais específicos.2 Ela atua como uma manifestação tangível de crenças, valores e da identidade coletiva de um povo. Embora universal na sua existência e importância, cada expressão musical é singular e, por vezes, de difícil tradução ou plena apreciação fora do seu contexto cultural de origem, o que sublinha o seu profundo enraizamento cultural.2 A música, neste sentido, é um espelho da sociedade que a produz, refletindo as suas histórias, aspirações e a sua visão do mundo.3
A perspectiva antropológica e etnomusicológica aprofunda esta compreensão, situando a música como um comportamento e um artefato cultural. O antropólogo Alan P. Merriam definiu a música como um fenômeno exclusivamente humano que existe apenas em termos de interação social, sendo produzida por pessoas para outras pessoas, e constituindo um comportamento aprendido.2 Esta definição é crucial, pois desloca o foco do som em si para a atividade humana e social que o envolve. A música, segundo Merriam, não pode ser definida apenas como um fenômeno sonoro, pois envolve o comportamento de indivíduos e grupos, e a sua organização particular demanda a concordância social das pessoas que decidem o que ela pode e não pode ser.2 Surge assim o conceito de música como “som culturalmente organizado” pelo homem, distinguindo-a do som bruto pela camada de intencionalidade humana e acordo social.2
A etnomusicologia, por sua vez, dedica-se ao estudo da música nos seus contextos sociais e culturais, examinando-a como um processo social para entender o que a música é e o que significa para os seus praticantes e audiências.4 Este campo de estudo adota uma perspectiva global e frequentemente envolve trabalho de campo etnográfico, onde o pesquisador observa e participa nas práticas musicais para obter uma compreensão íntima do seu significado social e cultural.4 A antropologia da música, de forma mais ampla, explora como a música é criada, executada e experienciada dentro de diferentes sociedades, lançando luz sobre a intrincada interação entre cultura, identidade e som.3
Estas perspectivas revelam que a existência da música, tal como a conhecemos, é fundamentalmente dependente de uma compreensão e concordância social partilhada. Não é uma propriedade inerente ao som em si, mas uma construção humana. Se não existisse um grupo social para a criar, interpretar e validar, o conceito de “música” daria lugar apenas a “som”. Esta constatação desafia definições puramente estéticas ou formalistas, ancorando a música na socialidade e na cognição humanas. Sugere-se, assim, que os sistemas musicais evoluem de forma análoga às línguas, baseando-se no consenso e na utilidade comunitária.
Adicionalmente, a especificidade cultural da música, que a torna “singular e de difícil tradução fora de seu contexto cultural” 2, implica que a “literária” musical é adquirida e dependente do contexto, muito à semelhança da literária linguística. Para compreender e apreciar plenamente uma forma musical, é muitas vezes necessário entender as suas origens culturais e convenções. Isto acarreta implicações educativas significativas, sugerindo que o ensino da música deveria, idealmente, incluir o contexto cultural para fomentar uma compreensão e apreciação mais profundas, em vez de se focar exclusivamente, por exemplo, nas tradições clássicas ocidentais. A etnomusicologia desempenha aqui um papel vital ao construir pontes entre estas diversas compreensões culturais.
Seção 3: A Música Sob a Lente da Ciência: Uma Sinfonia de Física e Matemática
Para além das suas dimensões artísticas e culturais, a música possui uma relação intrínseca e fascinante com a ciência. Ao examinarmos a música através das lentes da física e da matemática, desvendamos uma ordem subjacente, uma estrutura precisa que governa desde a produção de uma simples nota até à complexidade de uma sinfonia.
3.1. A Física do Som: Ondas, Acústica e a Vibração que Nos Move
No cerne da música está o som, um fenómeno físico que obedece a leis precisas.1 Todo o som, incluindo o musical, origina-se de vibrações. Quando um objeto vibra – seja a corda de um violino, a membrana de um tambor ou as cordas vocais humanas – ele perturba as partículas do meio circundante (geralmente o ar), iniciando ondas sonoras que se propagam até aos nossos ouvidos.6
A ciência acústica, um ramo da física, dedica-se a explicar como estas ondas sonoras são geradas, transmitidas e interpretadas, e como afetam a percepção humana.1 A acústica musical foca-se em como os instrumentos criam som, como esses sons viajam através de diferentes meios e como são recebidos pelo ouvido humano.9 Os conceitos fundamentais da acústica incluem:
- Ondas Sonoras: Vibrações que viajam através de um meio como o ar.9
- Frequência: O número de vibrações por segundo, medido em Hertz (Hz). A frequência determina a altura de um som – quão grave ou agudo ele é percebido.8 Frequências baixas produzem sons graves, enquanto frequências altas produzem sons agudos.6 O comprimento de onda, a distância entre os pontos altos de uma onda sonora, está inversamente relacionado com a frequência.6
- Amplitude: A “força” ou intensidade das vibrações, que afeta a intensidade sonora (vulgarmente, o volume) de um som.9
- Timbre: A qualidade ou “cor” de um som, que permite distinguir diferentes instrumentos ou vozes, mesmo quando produzem a mesma nota com a mesma intensidade.8
O timbre de um som musical é largamente determinado pela presença e pelas intensidades relativas dos harmônicos ou sobretons. Quando uma corda ou coluna de ar vibra, ela não produz apenas uma frequência fundamental (a nota que percebemos predominantemente), mas também uma série de frequências mais altas que são múltiplos inteiros da fundamental.8 Esta complexa mistura de frequências é o que confere a cada instrumento a sua “assinatura” sonora única. A série de Fourier, uma ferramenta matemática, permite decompor um som musical complexo na soma das suas ondas senoidais simples constituintes, revelando o espectro de frequências e as suas respectivas amplitudes, que definem o timbre.10 Sem o fenómeno físico dos harmónicos, a música seria despojada de grande parte da sua riqueza e variedade tímbrica, tornando a diferenciação entre instrumentos e vozes uma tarefa muito mais árdua.
Outro conceito físico crucial na música é a ressonância. A ressonância acústica ocorre quando um sistema acústico amplifica ondas sonoras cuja frequência corresponde a uma das suas próprias frequências naturais de vibração.9 A maioria dos instrumentos musicais utiliza ressonadores para amplificar o som produzido. Por exemplo, o corpo de um violão ou violino, ou o tubo de uma flauta, atuam como ressonadores, intensificando as vibrações iniciais das cordas ou da coluna de ar.7 A ressonância das cordas e das colunas de ar em tubos são fenómenos centrais na produção sonora instrumental.11
A física dos instrumentos musicais aplica estes princípios de forma específica:
- Nos instrumentos de corda, as cordas vibrantes criam as ondas sonoras. A altura da nota é determinada pelo comprimento, tensão e espessura da corda.8 O corpo do instrumento atua como um ressonador, amplificando o som.12 As cordas podem vibrar em múltiplos modos, gerando a série harmónica que contribui para o timbre.12
- Nos instrumentos de sopro, o ar soprado para dentro do instrumento faz vibrar a coluna de ar no seu interior. A altura da nota é alterada modificando o comprimento efetivo desta coluna de ar vibrante, geralmente abrindo ou fechando orifícios.7
- Nos instrumentos de percussão, o som é criado quando são percutidos, agitados ou raspados. A altura do som pode ser alterada variando o tamanho, a forma e o material do instrumento.7
Os princípios físicos da acústica não são meramente descritivos; são, de facto, prescritivos para o design de instrumentos musicais e até para a estética musical. As propriedades físicas dos materiais e das estruturas determinam diretamente as qualidades sonoras específicas. Por exemplo, a acústica ajuda a explicar por que certas combinações de notas soam agradáveis (consonantes) ou desagradáveis (dissonantes).9
Os fabricantes de instrumentos utilizam conhecimentos de acústica para criar instrumentos de melhor qualidade com os timbres desejados.9 Da mesma forma, os princípios acústicos são fundamentais no projeto arquitetônico de salas de concerto e estúdios de gravação, visando otimizar a qualidade do som, garantindo clareza e riqueza na experiência auditiva do público.1 A “arte” da música é, portanto, profundamente moldada e, em certo sentido, limitada pela “ciência” da física. A evolução dos instrumentos musicais ao longo da história é um testemunho da compreensão empírica e da manipulação progressiva destas leis físicas.
3.2. A Matemática na Música: Padrões, Proporções e a Harmonia dos Números
A relação entre música e matemática é ancestral e profunda, revelando um universo de ordem, padrões e proporções que tem fascinado pensadores desde a antiguidade. Esta conexão sugere que a estrutura da música pode, em muitos aspetos, ser compreendida através de princípios matemáticos.
Uma das primeiras e mais significativas descobertas que ligaram a matemática à música é atribuída aos pitagóricos, na Grécia Antiga. Pitágoras e os seus seguidores observaram que relações numéricas simples entre os comprimentos de cordas vibrantes produziam intervalos musicais consonantes – ou seja, combinações de notas que soam agradáveis ao ouvido.8 Por exemplo, se uma corda é dividida ao meio (relação de 1:2), a nota produzida é uma oitava acima da original. Relações como 2:3 produzem uma quinta justa, e 3:4 uma quarta justa.13 Esta “lei dos pequenos números” levou os pitagóricos a acreditar que os princípios da matemática eram os princípios de todas as coisas, e que o universo em si era governado por relações harmónicas. Esta descoberta estabelece uma base matemática aparentemente objetiva para a consonância musical.
Mais recentemente, a Sequência de Fibonacci e a Proporção Áurea (aproximadamente 1,618, também conhecida como ϕ) foram identificadas em diversas estruturas musicais e no design de instrumentos.14 A Sequência de Fibonacci é uma série de números onde cada termo é a soma dos dois anteriores (0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21,…). Esta sequência surge, por exemplo, na estrutura de uma oitava no teclado do piano: há 13 notas (incluindo as teclas pretas), das quais 8 são teclas brancas e 5 são teclas pretas. Um acorde básico é formado pela 3ª e 5ª notas de uma escala de 8 notas – todos estes números (3, 5, 8, 13) pertencem à Sequência de Fibonacci.14
A relação entre termos consecutivos da Sequência de Fibonacci aproxima-se da Proporção Áurea. Há relatos de que compositores como Wolfgang Amadeus Mozart estruturaram as suas sonatas de forma a que a razão entre o número de compassos em diferentes seções (como a exposição e o desenvolvimento/recapitulação) se aproximasse da Proporção Áurea.14 A Proporção Áurea também é referida no design de instrumentos como violinos e boquilhas de saxofone.14 Embora o artigo da Superinteressante 16 foque a presença da Sequência de Fibonacci na natureza, ele estabelece a sua prevalência, o que contextualiza a sua aplicação na música.
A música é inerentemente rica em padrões – rítmicos, melódicos e harmónicos. Conceitos matemáticos podem ser utilizados para analisar e criar estes padrões.15 Embora a “teoria dos conjuntos” na música se refira a um tópico mais avançado (como a análise de conjuntos de classes de altura na música atonal), a ideia fundamental de organizar elementos musicais em estruturas coerentes relaciona-se com o pensamento matemático, onde a música obedece a regras que correspondem à lógica na matemática e às leis da natureza.17
O desenvolvimento do Sistema Temperado é outro exemplo da aplicação da matemática na música. Este sistema de afinação, que surgiu no século XVII, representa um compromisso matemático para facilitar a construção de instrumentos musicais e permitir a modulação harmônica (mudança de tonalidade) de forma mais fluida.10 No sistema temperado igual, a oitava é dividida em doze semitons iguais, e a frequência de cada nota é um múltiplo da frequência da nota anterior por um fator constante de 2(1/12).10 Esta solução matemática, embora comprometa ligeiramente a “pureza” dos intervalos pitagóricos, expandiu enormemente as possibilidades harmônicas na música ocidental.
A persistente aparição de relações matemáticas na música, desde as razões pitagóricas até à Proporção Áurea, em diferentes épocas e contextos culturais, sugere que estas estruturas matemáticas podem ressoar com aspetos fundamentais da percepção e cognição humanas. O que consideramos esteticamente agradável e “harmonioso” na música pode, em parte, dever-se a estas proporções e padrões matemáticos subjacentes. A Proporção Áurea, por exemplo, é frequentemente designada como a “Divina Proporção” devido à sua ocorrência na natureza e na arte, sendo percebida como esteticamente aprazível.14 Assim, a música que incorpora esses princípios matemáticos pode estar a aceder a preferências cognitivas pré-existentes por certas formas de ordem e estrutura, tornando-a mais “natural” ou bem organizada para o ouvinte. Isto estabelece uma ponte entre o mundo objetivo dos números e a experiência subjetiva da arte, indicando que os princípios matemáticos podem ser intrínsecos não apenas à análise, mas também à criação de música que os humanos consideram cativante e bela.
Além disso, o desenvolvimento do Sistema Temperado ilustra de forma paradigmática como a inovação matemática pode resolver problemas práticos na música, expandindo subsequentemente as possibilidades artísticas. Antes do temperamento igual, a modulação complexa ou a execução em todas as tonalidades em instrumentos de afinação fixa eram problemáticas devido aos chamados “intervalos do lobo” que surgiam nos sistemas de entonação justa. A solução matemática do temperamento igual, ao distribuir as imperfeições de afinação de forma equitativa, permitiu uma liberdade harmônica muito maior, influenciando profundamente o curso da música ocidental. Isto demonstra que os quadros matemáticos podem tanto definir como libertar as práticas artísticas, e que a história da teoria musical está intrinsecamente ligada aos avanços matemáticos.
Seção 4: Os Ecos da Música no Cérebro e na Psique: Benefícios Neurocientíficos e Psicológicos
A influência da música transcende a sua estrutura física e matemática, ecoando profundamente no cérebro humano e na psique. A investigação em neurociência e psicologia tem vindo a revelar os múltiplos benefícios da música para o desenvolvimento cognitivo, a saúde mental e o bem-estar emocional.
4.1. Neurociência da Música: Como a Música Molda o Cérebro e Potencializa a Cognição
A neurociência da música procura desmistificar os processos através dos quais os nossos cérebros percebem, processam e reagem à música, revelando um impacto notável na sua estrutura e função.
A simples audição musical desencadeia uma atividade neuronal complexa, envolvendo diversas regiões cerebrais.1 Técnicas avançadas de imagiologia, como a ressonância magnética funcional (fMRI), demonstram alterações no fluxo sanguíneo cerebral durante a audição musical, indicando as áreas do cérebro que são ativadas.1 A música tem a capacidade de estimular áreas cerebrais associadas à aprendizagem, à linguagem e à saúde emocional.18
Um dos aspetos mais significativos da interação entre música e cérebro é a plasticidade cerebral induzida pela música. O treino musical, como aprender a tocar um instrumento, é considerado um modelo poderoso para estudar a plasticidade dependente da experiência.19 Aprender a tocar um instrumento leva a adaptações estruturais e funcionais no cérebro, e a extensão dessas adaptações correlaciona-se com a intensidade e a duração da prática.21 É importante notar que estas alterações cerebrais e os benefícios cognitivos associados não parecem ser atribuíveis a traços biológicos pré-existentes, mas sim ao próprio treino musical.23
O impacto no desenvolvimento cognitivo é vasto e bem documentado:
- Cognição Geral e QI: Aulas de música na infância estão associadas a aumentos no Quociente de Inteligência (QI).22 Aprender a tocar um instrumento durante a infância pode mesmo prever o desempenho académico e o QI na jovem idade adulta.21
- Memória: O treino musical melhora a memória verbal 21 e a memória de trabalho (a capacidade de reter e manipular informação temporariamente).19 A audição musical também pode beneficiar a memória, especialmente em adultos mais velhos.28
- Atenção: O treino musical potencia as capacidades de atenção e concentração.19 O envolvimento com o ritmo musical, em particular, parece apurar a orientação da atenção no tempo.21
- Funções Executivas: Estas são um conjunto de processos cognitivos de ordem superior que incluem controle inibitório (a capacidade de suprimir respostas irrelevantes), memória de trabalho e flexibilidade cognitiva (a capacidade de alternar entre diferentes tarefas ou perspectivas). O treino musical tem demonstrado consistentemente beneficiar estas funções executivas.19 Alguns estudos sugerem que o treino musical sistemático pode mesmo acelerar o desenvolvimento do controlo inibitório em crianças.19
- Linguagem e Leitura: A música intensifica as capacidades linguísticas.18 O treino musical está associado a uma melhor capacidade de leitura 21, maior precisão na pronúncia de uma segunda língua 21 e um processamento mais apurado dos sons da fala.21 Isto deve-se, em parte, às vias neuronais partilhadas para o processamento da música e da linguagem, e a uma melhoria geral do processamento auditivo.
- Raciocínio Espacial e Matemático: A audição de música clássica pode melhorar temporariamente o raciocínio espacial.25 No entanto, o treino musical formal, como aprender a tocar um instrumento, tem efeitos mais duradouros no raciocínio espacial 22 e no desempenho matemático.22
- Habilidades Auditivas: O treino musical aumenta a sensibilidade sonora, a capacidade de discriminação de alturas (pitch) e a habilidade de reconhecer a fala em ambientes ruidosos.21
Um mecanismo proposto para explicar alguns destes benefícios é o “rhythmic entrainment” (sincronização rítmica). A capacidade de sincronizar movimentos ou processos mentais com um ritmo externo, algo intrínseco à experiência musical, parece apoiar a aprendizagem e o desenvolvimento das funções executivas, bem como o processamento temporal e a orientação da atenção.21
Os benefícios cognitivos do treino musical, especialmente o seu impacto nas funções executivas, transcendem a simples ideia de “ficar mais inteligente”. Eles refletem um aprimoramento dos mecanismos subjacentes de autorregulação e aprendizagem. As funções executivas são cruciais para o comportamento direcionado a objetivos, planeamento, resolução de problemas, capacidade de prestar atenção, resistir a distrações, manter informações na mente e alternar entre tarefas. Todas estas são competências fundamentais não apenas para o sucesso académico, mas também para a vida quotidiana. Portanto, a educação musical emerge não como um mero “extra” curricular, mas como uma ferramenta poderosa para desenvolver a maquinaria cognitiva essencial para toda a aprendizagem.
É crucial distinguir os efeitos da simples audição musical dos efeitos do treino musical ativo (aprender a tocar um instrumento, cantar em coro, etc.). Enquanto a audição, especialmente de certos tipos de música como a clássica, pode produzir melhorias específicas e muitas vezes de curta duração (como o “efeito Mozart” no raciocínio espacial) 25, o envolvimento ativo no fazer musical está associado a benefícios mais amplos, duradouros e a alterações estruturais no cérebro.21 O processo de aprender, praticar e executar música – que envolve coordenação motora, processamento auditivo sofisticado, leitura de notação, expressão emocional e muito mais – é um motor muito mais potente de plasticidade neuronal e aprimoramento cognitivo do que o consumo passivo. Esta distinção apoia fortemente o argumento de oferecer às crianças oportunidades de aprender ativamente a música, e não apenas de a ouvir, para colher os máximos benefícios desenvolvimentais.
A sincronização rítmica, como mencionado, destaca-se como um mecanismo específico através do qual o treino musical pode reforçar a atenção e o processamento temporal. Estas são capacidades basilares para competências cognitivas de ordem superior, como a leitura e as funções executivas.21 A música é inerentemente rítmica e frequentemente envolve a sincronização de ações com um pulso. Este treino constante da previsão temporal e da sincronização da atenção pode generalizar-se para outras tarefas que exigem um timing preciso e foco sustentado, sublinhando um aspecto único do treino musical que pode não ser tão eficazmente visado por outras atividades educativas.
A tabela seguinte resume os principais benefícios cognitivos da música, com base na investigação neurocientífica:
Tabela 1: Principais Benefícios Cognitivos da Música (Neurociência)
Habilidade Cognitiva | Descrição do Benefício | Evidência Chave |
Memória (Verbal, Trabalho) | Melhora na retenção e manipulação de informação. | 19 |
Atenção | Aumento da capacidade de foco e concentração. | 19 |
Funções Executivas | Aprimoramento da inibição, flexibilidade cognitiva, planejamento. | 19 |
Linguagem e Leitura | Melhora na percepção fonológica, vocabulário, precisão na pronúncia de segunda língua. | 18 |
Raciocínio Espacial | Aumento da capacidade de processar informação espacial. | 30 |
Habilidades Matemáticas | Melhora no desempenho em tarefas matemáticas. | 22 |
Plasticidade Cerebral | Adaptações estruturais e funcionais no cérebro induzidas pelo treino musical. | 19 |
Habilidades Auditivas | Maior sensibilidade sonora, discriminação de alturas, reconhecimento de fala em ruído. | 21 |
4.2. Psicologia da Música: Bem-Estar Emocional, Saúde Mental e Conexão Social
A psicologia da música explora o impacto mental da música, incluindo os seus efeitos nos nossos humores, comportamentos e pensamentos.1 Esta área de estudo revela como a música serve de bálsamo para a alma, ferramenta terapêutica e elo de ligação social.
A música tem um impacto emocional profundo e capacidade de regulação do humor. Ela pode evocar respostas emocionais fortes e variadas.1 A audição de música de que se gosta está associada à libertação de dopamina no cérebro, um neurotransmissor ligado ao prazer e à recompensa, o que promove estados emocionais positivos e pode oferecer alívio do estresse e de humores depressivos.6 A música ajuda a regular o humor e pode induzir sentimentos de alegria e relaxamento.26
A capacidade da música para redução do estresse e da ansiedade é um dos seus benefícios psicológicos mais conhecidos. A audição musical pode reduzir a ansiedade, a pressão arterial e a dor, além de melhorar a qualidade do sono.32 Música com um ritmo específico, como 60 batidas por minuto, pode aumentar a eficiência do cérebro no processamento de informação e auxiliar na concentração.32 A musicoterapia, em particular, demonstrou ser eficaz na redução do estresse, com um efeito médio a grande nos resultados relacionados com o estresse, tanto fisiológicos (diminuição do cortisol, da frequência cardíaca e da pressão arterial) como psicológicos.33 Estudos indicam que a musicoterapia pode reduzir os sintomas de ansiedade e depressão em adultos com perturbações mentais, promovendo o bem-estar.34
No âmbito da saúde mental, a música e a musicoterapia oferecem um potencial terapêutico significativo. A música pode atuar como um fator de melhoria em condições como a depressão e a doença de Alzheimer.18 A musicoterapia é uma prática clínica onde um terapeuta qualificado utiliza intervenções musicais personalizadas para atingir objetivos específicos, como a redução do estresse ou a melhoria da qualidade de vida.35 Esta abordagem beneficia o bem-estar mental, emocional, físico, social e cognitivo.35 Em crianças, a musicoterapia pode apoiar o desenvolvimento comportamental, de aprendizagem e emocional.35 Estudos com adolescentes com perturbações psiquiátricas mostram que a musicoterapia pode melhorar a autoestima, o envolvimento social e diminuir os sintomas depressivos e de ansiedade.36
A música desempenha também um papel crucial na formação da identidade cultural e na conexão social. É fundamental na construção da identidade cultural e nas ligações sociais, unindo pessoas de diversas origens através de formas musicais partilhadas.1 A música fomenta um sentimento de pertença e de experiência partilhada, fortalecendo os laços comunitários.1 O fazer musical em grupo pode levar à sincronização entre os membros, promovendo sentimentos positivos de união e ligação, possivelmente mediados pela libertação de endorfinas e ocitocina.33
Os benefícios psicológicos da música não se devem apenas às suas qualidades estéticas, mas também envolvem mecanismos fisiológicos concretos. A libertação de neurotransmissores como a dopamina 6, a modulação de hormônios como o cortisol 26 e a sincronização de ritmos corporais (como a respiração e a frequência cardíaca) 26 são exemplos de como a experiência psicológica da música é mediada por alterações fisiológicas tangíveis. Esta interligação bio-psico-social fornece uma base científica para o uso da música em contextos terapêuticos e de bem-estar, ultrapassando a evidência meramente anedótica. Sugere ainda que características musicais específicas, como o ritmo 32, poderiam ser direcionadas para obter resultados fisiológicos e psicológicos específicos.
É importante distinguir a musicoterapia da audição musical geral. A musicoterapia 33 diferencia-se pela relação terapêutica e pelas intervenções personalizadas conduzidas por um profissional treinado. Esta abordagem estruturada e direcionada provavelmente amplifica os benefícios da música, especialmente para populações clínicas. A presença de um terapeuta permite o fazer musical ativo, o processamento das emoções suscitadas pela música e a adaptação da intervenção às necessidades e respostas específicas do indivíduo. Embora a audição musical geral seja benéfica, a musicoterapia oferece uma abordagem mais focada e potencialmente mais potente para alcançar objetivos específicos de saúde e bem-estar, particularmente na saúde mental, sublinhando o valor dos musicoterapeutas profissionais.
A tabela seguinte resume os principais benefícios psicológicos e emocionais da música:
Tabela 2: Benefícios Psicológicos e Emocionais da Música
Área de Impacto | Descrição do Benefício | Mecanismos/Exemplos | Evidência Chave |
Regulação Emocional | Ajuda a gerir e expressar emoções, melhora o humor. | Libertação de dopamina, engajamento do neocórtex para modular respostas. | 1 |
Redução de Stresse/Ansiedade | Diminui sintomas fisiológicos e psicológicos de stresse. | Redução de cortisol, sincronização de ritmos corporais, promoção de relaxamento. | 32 |
Saúde Mental (Terapêutico) | Auxilia no tratamento de depressão, ansiedade, etc. (especialmente via musicoterapia). | Facilita a expressão, melhora a autoestima, promove o engajamento social. | 18 |
Conexão Social e Identidade | Fortalece laços comunitários, molda a identidade cultural. | Experiências musicais compartilhadas, sincronia em atividades de grupo. | 1 |
Seção 5: Melodia para o Desenvolvimento: Por Que Trocar o Celular por um Instrumento Musical na Infância?
Na era digital, as crianças estão cada vez mais imersas num mundo de ecrãs. Embora a tecnologia possa oferecer benefícios, o seu uso excessivo, especialmente na infância, levanta preocupações significativas sobre o desenvolvimento. Em contrapartida, a aprendizagem de um instrumento musical surge como uma alternativa rica e multifacetada, capaz de nutrir a criança de forma integral. Esta seção explora os impactos do tempo excessivo de ecrã e argumenta a favor da introdução de instrumentos musicais como uma ferramenta superior para o desenvolvimento infantil.
5.1. O Impacto do Tempo Excessivo de Tela no Desenvolvimento Infantil
A exposição excessiva a ecrãs (televisores, tabletes, smartphones, computadores e consolas de jogos) durante a infância tem sido associada a uma série de impactos negativos no desenvolvimento.
- Impactos Cognitivos: O uso excessivo de ecrãs pode levar a atrasos no desenvolvimento da linguagem, uma vez que as crianças dependem da interação humana para adquirir vocabulário e desenvolver competências comunicativas.37 A constante estimulação e a gratificação imediata proporcionadas pelos meios digitais podem prejudicar a capacidade de atenção e concentração, afetando a aprendizagem e o desempenho escolar.37 A capacidade criativa e o pensamento crítico também podem ser negativamente afetados, com as crianças a demonstrarem preferência por atividades cognitivamente menos exigentes.37 Um estudo longitudinal significativo, o Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD) study, revelou que crianças com mais de sete horas diárias de exposição a ecrãs apresentavam um adelgaçamento da camada cortical do cérebro, a área responsável pelo processamento de informação.38
- Impactos Motores: O tempo passado em frente a ecrãs contribui para um estilo de vida sedentário, aumentando o risco de obesidade infantil e problemas de saúde associados.37 Podem também surgir problemas osteoarticulares devido a posturas inadequadas mantidas por longos períodos e um desenvolvimento motor global mais pobre devido à falta de brincadeiras ativas e exploração física.37
- Impactos Sociais e Emocionais: O uso excessivo de ecrãs está ligado a uma redução das interações sociais face a face, dificultando o desenvolvimento de competências sociais essenciais, como a capacidade de ler expressões faciais, linguagem corporal e desenvolver empatia.37 Pode também estar associado a problemas comportamentais como hiperatividade, impulsividade, baixa tolerância à frustração, e a um aumento da suscetibilidade para desenvolver depressão, ansiedade e baixa autoestima.37 A exposição a cyberbullying e a conteúdos inadequados são riscos adicionais.37
Um fio condutor nos impactos negativos do tempo excessivo de ecrã é o efeito de deslocamento: o tempo dedicado aos ecrãs é tempo que não é investido em atividades cruciais para o desenvolvimento, como a interação social direta, a brincadeira física e a exploração criativa do mundo real.37 Este é um mecanismo causal primário para os prejuízos observados. As intervenções devem, portanto, focar-se não apenas em limitar o tempo de ecrã, mas em promover ativamente estas atividades essenciais que estão a ser suplantadas.
Face a estas preocupações, diversas organizações de saúde e entidades governamentais emitiram recomendações para o uso de ecrãs por crianças e adolescentes:
- O Guia para Uso Saudável de Telas por Crianças e Adolescentes do Governo Brasileiro, que reflete consensos de especialistas incluindo possivelmente a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomenda zero ecrãs para bebés até aos 2 anos (exceto videochamadas com familiares, com a presença de um adulto). Para crianças dos 2 aos 6 anos, deve-se priorizar pouco tempo de ecrã, previamente combinado. O guia também aconselha a evitar a posse de smartphones antes dos 12 anos e o acesso a redes sociais e aplicações de mensagens nesta faixa etária mais jovem.41
- A American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) recomenda limitar o uso de ecrãs até aos 18 meses a videochamadas assistidas por um adulto. Entre os 18 e os 24 meses, o tempo de ecrã deve ser limitado à programação educacional com um cuidador. Para crianças dos 2 aos 5 anos, o tempo de ecrã não educacional deve ser limitado a cerca de 1 hora por dia útil e 3 horas nos dias de fim de semana. Para crianças com 6 anos ou mais, devem ser encorajados hábitos saudáveis e limitadas as atividades que incluem ecrãs.42
- A Mayo Clinic, referenciando a American Academy of Pediatrics (AAP), também desaconselha o uso de media por crianças com menos de 18 meses (exceto videochamada). Se forem introduzidos media digitais a crianças entre os 18 e os 24 meses, devem ser de alta qualidade e deve-se evitar o uso individual. Para crianças dos 2 aos 5 anos, o tempo de ecrã deve ser limitado a uma hora por dia de programação de alta qualidade.40
Estas recomendações convergem na ideia de uma introdução tardia e de um uso limitado, supervisionado e de alta qualidade dos ecrãs, especialmente na primeira infância. Este consenso sublinha a vulnerabilidade do cérebro em desenvolvimento e fornece um forte apoio aos pais que procuram estabelecer hábitos de ecrã saudáveis, resistindo às pressões sociais para uma adoção precoce e extensiva dos ecrãs.
5.2. Os Benefícios Abrangentes do Aprendizado Musical para Crianças
Em nítido contraste com a natureza frequentemente passiva do consumo de ecrãs, a aprendizagem de um instrumento musical oferece um leque vasto e profundo de benefícios que promovem um desenvolvimento infantil holístico.
- Desenvolvimento Cognitivo Holístico:
- Atenção e Concentração: Aprender a tocar um instrumento exige foco sustentado e disciplina, melhorando significativamente a capacidade de concentração.25 A prática musical também melhora a memória auditiva e a capacidade de atenção.27
- Memória: A memorização de peças musicais, a compreensão da teoria musical e a recordação de sequências de notas fortalecem diversas formas de memória.25
- Raciocínio Lógico-Matemático e Resolução de Problemas: A música está intrinsecamente ligada a padrões, sequências e relações matemáticas (como no ritmo e nos intervalos). O envolvimento com a música pode, assim, potenciar estas formas de raciocínio e a capacidade de resolução de problemas.24 Um estudo da Universidade da Georgia (UGA) destacou a melhoria nas capacidades de resolução de problemas em crianças com aulas de música.48
- QI e Desempenho Académico: Numerosos estudos correlacionam o treino musical com um QI mais elevado e um melhor desempenho acadêmico geral, particularmente em áreas como leitura e matemática.21
- Desenvolvimento de Habilidades Motoras:
- Coordenação Motora Fina: Tocar a maioria dos instrumentos musicais requer movimentos precisos dos dedos e uma apurada coordenação olho-mão, o que refina estas competências.25
- Expressão Corporal: A música encoraja o movimento e a consciência corporal, permitindo que as crianças se expressam fisicamente.43
- Promoção de Habilidades Socioemocionais:
- Disciplina e Paciência: A prática regular de um instrumento incute disciplina, perseverança e a capacidade de adiar a gratificação, uma vez que a proficiência musical é alcançada através de esforço contínuo.48
- Autoestima e Autoconfiança: Dominar um instrumento, superar desafios musicais e, eventualmente, apresentar-se em público são experiências que constroem significativamente a autoestima e a autoconfiança.26
- Expressão Emocional: A música oferece um canal seguro e construtivo para as crianças explorarem e expressarem as suas emoções.25
- Criatividade e Imaginação: A improvisação, a composição (mesmo que simples) e a interpretação musical são atividades inerentemente criativas que estimulam a imaginação.25
- Socialização: Participar em bandas, orquestras, coros ou aulas de música em grupo desenvolve competências de trabalho em equipa, cooperação e interação social.25
Os benefícios da aprendizagem de um instrumento musical são holísticos e transferíveis. As competências desenvolvidas no domínio musical – como disciplina, reconhecimento de padrões, controlo motor fino, discriminação auditiva e capacidade de concentração – contribuem causalmente para melhorias em domínios aparentemente não relacionados, como o desempenho académico em matemática e leitura, e a regulação socioemocional. Este fenómeno é conhecido como “efeito de transferência”.25 Isto significa que o treino musical não se limita a ensinar música; treina o cérebro e o carácter de formas que têm consequências positivas de longo alcance, preparando a criança com um conjunto de ferramentas cognitivas e pessoais que podem render vantagens ao longo da vida.
Um diferenciador chave entre a aprendizagem de um instrumento musical e o uso típico de telemóveis é a criação ativa e a resolução de problemas complexos inerentes à música, em contraste com o consumo frequentemente passivo ou a interação baseada em regras com os media digitais. Este envolvimento ativo é um catalisador mais forte para o desenvolvimento cognitivo. A aprendizagem musical envolve decodificar símbolos, encontrar soluções para desafios técnicos e expressivos, improvisar e compor.46 Por outro lado, o uso de ecrãs pode fomentar um comportamento passivo, oferecendo respostas rápidas e prontas que deixam pouco espaço para a investigação e a imaginação.25 Esta diferença na natureza do envolvimento é fundamental para os seus distintos impactos desenvolvimentais.
É interessante notar que algumas pesquisas recentes exploram o uso da tecnologia digital, incluindo aplicações móveis, para a educação musical.50 Isto sugere uma potencial ponte ou uma abordagem mais matizada, em vez de uma dicotomia estrita entre “instrumentos tradicionais” e “ecrãs”. No entanto, os benefícios centrais parecem ainda advir do próprio envolvimento musical, seja ele facilitado por meios tradicionais ou digitais, e da qualidade desse envolvimento. Uma aplicação de aprendizagem musical que promova o envolvimento ativo, o desenvolvimento de competências e a criatividade é qualitativamente diferente do consumo passivo de vídeos ou de jogos aditivos. Assim, o debate não é simplesmente “instrumento vs. telemóvel”, mas sim “atividades desenvolvimentalmente ricas vs. atividades desenvolvimentalmente pobres”.
A tabela seguinte oferece um comparativo detalhado entre os impactos da aprendizagem de um instrumento musical e do tempo de ecrã excessivo no desenvolvimento infantil:
Tabela 3: Comparativo Detalhado: Instrumento Musical vs. Tempo de Tela Excessivo no Desenvolvimento Infantil
Área de Desenvolvimento | Impacto do Aprendizado de Instrumento Musical (Benefícios e Mecanismos) | Impacto do Tempo de Tela Excessivo (Riscos e Mecanismos) | Fontes Chave (Instrumento) | Fontes Chave (Tela) |
Cognitivo (Atenção/Foco) | Melhora sustentada, disciplina (Prática regular, leitura de partituras, escuta ativa). | Dificuldade de atenção, impulsividade (Estimulação rápida e fragmentada, multitarefa superficial). | 27 | 37 |
Cognitivo (Resolução de Problemas/Criatividade) | Estimula (Interpretação, improvisação, composição, superação de desafios técnicos). | Prejudica (Respostas prontas, consumo passivo, menor espaço para imaginação). | 46 | 37 |
Linguagem | Aprimora (Processamento auditivo refinado, ligação música-linguagem, desenvolvimento fonológico). | Atrasos (Menor interação verbal e social, substituição de conversas por ecrãs). | 21 | 37 |
Motor | Desenvolve coordenação motora fina, destreza, expressão corporal (Manuseio do instrumento, movimento). | Sedentarismo, problemas posturais, baixa motricidade (Inatividade física). | 44 | 37 |
Sócio Emocional (Autocontrole/Paciência) | Fomenta (Aprendizado gradual, necessidade de prática persistente, adiamento da gratificação). | Reduz tolerância à frustração (Gratificação instantânea, dificuldade em lidar com tédio). | 48 | 37 |
Sócio Emocional (Interação Social) | Promove (Ensaios em grupo, aulas coletivas, desenvolvimento de empatia e cooperação). | Isola, dificulta habilidades sociais (Menos interações face a face, preferência por interações online). | 43 | 39 |
Sócio Emocional (Autoestima) | Constroi (Domínio de novas competências, superação de desafios, apresentações). | Pode minar (Comparação social em redes, cyberbullying, padrões irreais). | 44 | 37 |
5.3. Construindo um Futuro Mais Rico: O Instrumento Musical como Ferramenta de Desenvolvimento Integral
A escolha entre incentivar uma criança a aprender um instrumento musical ou permitir o acesso ilimitado a ecrãs não é apenas uma questão de preferência de passatempo; é uma decisão que pode moldar profundamente a trajetória do seu desenvolvimento. Os dados apresentados revelam um contraste acentuado: de um lado, o desenvolvimento ativo e holístico proporcionado pela música; do outro, os potenciais riscos desenvolvimentais associados ao tempo excessivo e não mediado de ecrã.
Optar por um instrumento musical é investir na arquitetura cognitiva da criança, na sua inteligência emocional, na sua disciplina pessoal e na sua capacidade de expressão criativa. É oferecer uma ferramenta que fomenta a agência (a criança como criadora e executora), a aprendizagem profunda (que requer esforço e tempo) e a resiliência (a capacidade de superar desafios e frustrações inerentes ao processo de aprendizagem). Este percurso contrasta com a passividade e a instantaneidade que frequentemente caracterizam o consumo de mídia digital.
É certo que a introdução de um instrumento musical na vida de uma criança pode apresentar desafios, como o custo, a necessidade de tempo para a prática e a procura de ensino adequado. No entanto, estes desafios devem ser ponderados face aos benefícios de longo prazo. Os pais podem desempenhar um papel crucial ao expor as crianças à música desde cedo, permitindo-lhes explorar diferentes instrumentos, encontrando professores que motivam o seu interesse e, fundamentalmente, equilibrando a aprendizagem musical com outras atividades lúdicas e sociais.30
A música não é apenas uma competência a ser adquirida; é uma linguagem, uma forma de arte e uma fonte de enriquecimento que pode acompanhar a criança por toda a vida, oferecendo alegria, consolo, expressão e conexão. Ao capacitar os pais com o conhecimento sobre estes impactos diferenciados, espera-se que possam tomar decisões mais informadas, moldando ativamente um caminho de desenvolvimento mais rico e harmonioso para os seus filhos, onde a melodia da aprendizagem ativa e criativa se sobrepõe ao ruído da distração digital excessiva.
Seção 6: Conclusão: A Música como Linguagem Universal para o Conhecimento e o Bem-Estar
Ao longo desta exploração, a música revelou-se não como uma entidade singular, mas como um prisma multifacetado que reflete a complexidade da experiência humana. Desde a sua definição como arte e expressão cultural, profundamente enraizada nas interações sociais 2, até à sua descrição precisa pelas leis da física e pelos padrões da matemática 9, a música demonstra uma notável capacidade de unir o estético e o científico.
A investigação neurocientífica e psicológica sublinha ainda mais o seu poder, demonstrando como o envolvimento musical pode moldar o cérebro, potenciar uma vasta gama de funções cognitivas – desde a memória e atenção até às complexas funções executivas – e promover o bem-estar emocional e a saúde mental.19 Os benefícios da aprendizagem ativa de um instrumento musical, em particular, emergem como um contraponto robusto aos potenciais prejuízos do consumo excessivo de ecrãs na infância, oferecendo um caminho para o desenvolvimento de competências cruciais como a disciplina, a resolução de problemas e a expressão criativa.25
A convergência dos diversos benefícios da música – da sua elegância matemática e princípios físicos à sua profunda ressonância neurológica e psicológica – pinta um quadro da música como um aspecto fundamental da experiência e do desenvolvimento humano. Não se trata meramente de uma busca estética, mas de um elemento central na forma como aprendemos, sentimos, nos conectamos e prosperamos. A sua linguagem, embora por vezes abstrata, é universal na sua capacidade de tocar a alma, estimular a mente e unir as pessoas. Reconhecer e valorizar a música em todas as suas dimensões – na educação, na terapia, na comunidade e na vida quotidiana – é, em última análise, reconhecer e valorizar um dos mais poderosos e enriquecedores atributos da humanidade.
Referências
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